Equação do diálogo incómodo<br>na memória de Ruy Luís Gomes
A 25 de Dezembro de 2005, quando se completaram 100 anos sobre o nascimento de Ruy Luís Gomes, Portugal andava em campanha eleitoral para as presidenciais, o direito que o Estado Novo lhe negou, em 1951, quando se apresentou como o candidato «do povo e pela paz».
A data passou; as eleições também, com esse resultado triste para Portugal, desde logo, na simples comparação entre o matemático brilhante que o regime que inspira e pelo qual suspira a Direita e o professor de Economia sem opiniões assumidas eleito para a Presidência da República.
O centenário passou, mas a memória não. O Sector Intelectual do Porto do PCP organizou, a 25 de Janeiro, uma sessão evocativa do centenário do nascimento de Ruy Luís Gomes, «cientista e revolucionário», exemplo de uma luta que permanece actual. O regime mudou, mas os novos poderes continuam a temer os intelectuais, tentam controlá-los por novas e perigosas formas. Mas, mesmo no País que elegeu um presidente da República que não teve coragem de assumir o que realmente quer, no País que se rendeu, neste acto eleitoral, à descrença e ao descontentamento, há ainda quem fale, quem se comprometa com aquilo em que acredita, exemplos vivos do espírito da geração de Ruy Luís Gomes – haverá melhor homenagem?
O auditório do Centro de Trabalho da Boavista, no Porto, encheu para recordar Ruy Luís Gomes, que Rogério Reis, do Sector Intelectual do Porto do PCP definiu como «exemplar» enquanto «cientista, professor», e «como intelectual que não deixa de tomar partido e, assim comprometido desempenhar um papel fundamental na luta política do seu, do nosso tempo», exemplar, ainda, num outro sentido, de uma geração de «cientistas e académicos» que tomaram «consciência do seu papel social e da importância política dos assuntos em que trabalhavam».
Ruy Luís Gomes era um matemático. António Machiavelo, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, lembrou que, ainda hoje, persiste a ideia de que este tipo de estudiosos são pessoas «desligadas da realidade, associais». Quando fogem ao estereótipo, «subversivos», aos olhos do poder. A «atitude absolutamente militante na divulgação da matemática» implica o «desenvolvimento do espírito críticos e da autonomia de pensamento»; por outro lado, o «valor democrático da Matemática», uma ciência em que «toda a gente tem de dar os mesmos passos», em que a pessoa «é capaz de perceber as coisas por ela própria, sem aceitar autoridades», também não era tido por conveniente. O comprometimento político, a luta pela democracia e pela paz tornaram Ruy Luís Gomes um «traidor» ao regime fascista.
Perda da autonomia
Hoje, talvez Ruy Luís Gomes não tivesse sido preso. Confrontar-se-ia, no entanto, com novas e sinistras formas de «comprimir» a acção dos intelectuais, designadamente, com a «perda da autonomia relativa» que os caracterizava na primeira metade do século XX, face ao «crescente assalariamento».
Manuel Gusmão, do Sector Intelectual de Lisboa do PCP, levou a plateia numa reflexão sobre a «ligação entre intelectuais e a intervenção política», conceitos que estão ligados por natureza. O que muda são as condições que os rodeiam. «Quando um intelectual medita sobre as suas condições de trabalho, sobre os efeitos do seu trabalho, sobre a eficácia que eles vão ter, sobre o modo como vão ser utilizados, está a colocar-se, individualmente, num plano político».
Sendo trabalhadores cujo «crescimento numérico e peso social» tem aumentado, e com um «papel fundamental numa série de actividades que implicam grandes questões nacionais e sociais – a educação, a saúde, a administração pública, a cultura, as artes, as ciências, a tecnologia, e até nas Forças Armadas, por exemplo», o que deveria fazer supor uma proporcional intervenção cívica, tudo se conjuga, no entanto, para os dirigir no sentido da «resignação».
Esse é um caminho perigoso. «Quando há intelectuais que não se assumem como sujeitos também políticos, a política assume-os como objectos da sua acção», e investe por todas as formas nesse sentido, alertou, confrontando a plateia com uma série perguntas: «Na segunda metade do século XX, gerou-se a maior parte dos conhecimentos que hoje aplicamos na nossa vida. O que trava essas forças humanas criadas em face de problemas como a fome, a doença, a falta de Justiça?»; «Por que não resolvem o problema da cultura? Por que é que a iliteracia se mantém, em Portugal, em níveis que foram ultrapassados pelos países do Norte da Europa nos anos 50?», inquiriu e foi apresentando as conclusões a que chegou e que apontam para a «falta de vontade política daqueles que querem combinar o estrangulamento da educação com a retirada de direitos sociais e económicos e transformar os trabalhadores assalariados numa espécie de novos escravos, com direito a algo que já não é um salário».
As conclusões são discutíveis, sublinhou. Importante – mesmo que incómodo – é «fazer perguntas, procurar respostas». «Porque nós somos, cada um de nós é um diálogo». Que não se pode calar.
A data passou; as eleições também, com esse resultado triste para Portugal, desde logo, na simples comparação entre o matemático brilhante que o regime que inspira e pelo qual suspira a Direita e o professor de Economia sem opiniões assumidas eleito para a Presidência da República.
O centenário passou, mas a memória não. O Sector Intelectual do Porto do PCP organizou, a 25 de Janeiro, uma sessão evocativa do centenário do nascimento de Ruy Luís Gomes, «cientista e revolucionário», exemplo de uma luta que permanece actual. O regime mudou, mas os novos poderes continuam a temer os intelectuais, tentam controlá-los por novas e perigosas formas. Mas, mesmo no País que elegeu um presidente da República que não teve coragem de assumir o que realmente quer, no País que se rendeu, neste acto eleitoral, à descrença e ao descontentamento, há ainda quem fale, quem se comprometa com aquilo em que acredita, exemplos vivos do espírito da geração de Ruy Luís Gomes – haverá melhor homenagem?
O auditório do Centro de Trabalho da Boavista, no Porto, encheu para recordar Ruy Luís Gomes, que Rogério Reis, do Sector Intelectual do Porto do PCP definiu como «exemplar» enquanto «cientista, professor», e «como intelectual que não deixa de tomar partido e, assim comprometido desempenhar um papel fundamental na luta política do seu, do nosso tempo», exemplar, ainda, num outro sentido, de uma geração de «cientistas e académicos» que tomaram «consciência do seu papel social e da importância política dos assuntos em que trabalhavam».
Ruy Luís Gomes era um matemático. António Machiavelo, da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, lembrou que, ainda hoje, persiste a ideia de que este tipo de estudiosos são pessoas «desligadas da realidade, associais». Quando fogem ao estereótipo, «subversivos», aos olhos do poder. A «atitude absolutamente militante na divulgação da matemática» implica o «desenvolvimento do espírito críticos e da autonomia de pensamento»; por outro lado, o «valor democrático da Matemática», uma ciência em que «toda a gente tem de dar os mesmos passos», em que a pessoa «é capaz de perceber as coisas por ela própria, sem aceitar autoridades», também não era tido por conveniente. O comprometimento político, a luta pela democracia e pela paz tornaram Ruy Luís Gomes um «traidor» ao regime fascista.
Perda da autonomia
Hoje, talvez Ruy Luís Gomes não tivesse sido preso. Confrontar-se-ia, no entanto, com novas e sinistras formas de «comprimir» a acção dos intelectuais, designadamente, com a «perda da autonomia relativa» que os caracterizava na primeira metade do século XX, face ao «crescente assalariamento».
Manuel Gusmão, do Sector Intelectual de Lisboa do PCP, levou a plateia numa reflexão sobre a «ligação entre intelectuais e a intervenção política», conceitos que estão ligados por natureza. O que muda são as condições que os rodeiam. «Quando um intelectual medita sobre as suas condições de trabalho, sobre os efeitos do seu trabalho, sobre a eficácia que eles vão ter, sobre o modo como vão ser utilizados, está a colocar-se, individualmente, num plano político».
Sendo trabalhadores cujo «crescimento numérico e peso social» tem aumentado, e com um «papel fundamental numa série de actividades que implicam grandes questões nacionais e sociais – a educação, a saúde, a administração pública, a cultura, as artes, as ciências, a tecnologia, e até nas Forças Armadas, por exemplo», o que deveria fazer supor uma proporcional intervenção cívica, tudo se conjuga, no entanto, para os dirigir no sentido da «resignação».
Esse é um caminho perigoso. «Quando há intelectuais que não se assumem como sujeitos também políticos, a política assume-os como objectos da sua acção», e investe por todas as formas nesse sentido, alertou, confrontando a plateia com uma série perguntas: «Na segunda metade do século XX, gerou-se a maior parte dos conhecimentos que hoje aplicamos na nossa vida. O que trava essas forças humanas criadas em face de problemas como a fome, a doença, a falta de Justiça?»; «Por que não resolvem o problema da cultura? Por que é que a iliteracia se mantém, em Portugal, em níveis que foram ultrapassados pelos países do Norte da Europa nos anos 50?», inquiriu e foi apresentando as conclusões a que chegou e que apontam para a «falta de vontade política daqueles que querem combinar o estrangulamento da educação com a retirada de direitos sociais e económicos e transformar os trabalhadores assalariados numa espécie de novos escravos, com direito a algo que já não é um salário».
As conclusões são discutíveis, sublinhou. Importante – mesmo que incómodo – é «fazer perguntas, procurar respostas». «Porque nós somos, cada um de nós é um diálogo». Que não se pode calar.